Charles Melman
O deputado do VIIe arrondissement, regularmente reeleito desde a Liberação nesse belo bairro de Paris, fazia parte de um pequeno grupo extremista de direita, chamado, me parece, Centro Nacional dos Independentes, que reunia nostálgicos, senão colaboradores, de Vichy. O “deputado das zeladoras”, como se gabava de ser chamado aquele de quem elas eram as melhores propagandistas, se distinguia menos por seu patronímico – Frédéric-Dupont, melhor impossível – do que pela audácia com que defendia ideais sulfurosos numa época em que a democracia cristã era mais social que a SFIO e o partido gaullista mais nacional que os maurassianos. É notório que, a vida toda, Sylvia e Jacques lhe deram seus votos. Aqueles que estiverem sabendo disso aqui e tiverem a mania de torcer o nariz se lembrarão facilmente que seu próprio engajamento pessoal não teve, afinal, efeito melhor. E essa constatação terá ao menos o mérito de fazê-los se interrogar sobre a maneira como é constituído o discurso político que nos conduz, já que não se tem exemplo de seu sucesso, e que o regime, seja ele autoritário ou então liberal, distancia sempre do sonho da cidade feliz.
A gestão de Lacan na École freudienne de Paris é, quanto a isso, interessante, já que foi o laboratório da tentativa de aplicar a esse meio restrito os princípios do discurso psicanalítico.
Esse aspecto é na maioria das vezes desconhecido ou desconsiderado com a evocação do que teria sido o exercício, por Lacan, de um poder absoluto.
Ora, o que é que acontecia?
Encarregado da direção, havia um… Diretório, composto por uma dezena de alunos, dos quais é preciso realmente dizer que a característica era menos a aptidão para fazer bem feito do que a probabilidade de não atrapalhar.
Nas reuniões, Lacan ficava deliberadamente silencioso, deixando a eles a responsabilidade das iniciativas. É claro que estas podiam ser tomadas para agradá-lo ou até para desagradá-lo, mas também assegurando plenamente seus encargos. Dos quais fazia parte levar em conta, no próprio seio da École, os analistas críticos ou aduladores em relação ao ensino do mestre. Em todo caso, ficava claro para os membros do Diretório que o poder se articula a partir de um lugar, Lacan não se prestando nem a sentar nele nem também a participar com eles como igual. Assim, realmente foram eles que o puseram ali, nesse lugar, mas sem que ele consentisse em desempenhar a função. A despeito da transferência e do conforto que ele faz esperar, o lugar ficou vazio.
Depois disso, eu li que alguns conselhos de administração de empresas funcionam deixando desocupada a cadeira do chairman.
Na escala social, está estabelecido há muito tempo que a instância ali investida, seja ela totêmica, religiosa, real, nacional, erudita, etc., é o suporte de uma transferência que se pode chamar de hipnotizante, pois é sem recurso dialético. O que se articula a partir desse lugar, nem que seja sob a forma do escrito que lhe é atribuído, toma a força do imperativo categórico.
O discurso político foi, até aqui, o texto que, referenciado a esse lugar, fazia laço social. A originalidade do século XIX foi a de alojar, no lugar das autoridades tradicionais, essa instância abstrata, o povo, suposto como capaz, em sua dupla versão, comunista e fascista, de construir a cidade feliz, ou seja, conforme ela já era para Aristóteles, igualitária.
É notável que os freudianos, se nos reportamos às vicissitudes de suas sociedades, e isso desde a vienense, não conseguiram ultrapassar os constrangimentos triviais da vida dos grupos, apesar de te-los desmontado pela teoria. A afirmação da necessidade, para o analisante, de liquidar sua transferência no tratamento, não impediu sua perenização, na medida em que ele queria se organizar em grupo, com efeitos opostos às próprias razões que o levaram a se constituir.
Com efeito, se a noção de inconsciente supõe uma revisão permanente dos conceitos encarregados de dar conta, até o isolamento, ele mesmo provisório, do agenciamento lógico que os justifica, o grupo moderno tem necessidade, para se manter, de partilhar um saber estabelecido e mais ou menos estável. Ora, Freud fez sua teoria passar por essa revisão permanente, na medida do progresso dos tratamentos e de sua elaboração, correndo o risco de parecer um ditador, talvez até fantasista ou neurótico, quando, por exemplo, ele dobra a pulsão erótica com o instinto de morte. Essas denúncias são formuladas ainda hoje em dia.
Era previsível que esse “revisionismo” encorajasse a produção de contestadores, cuja vocação salvadora é fechar a teoria, reparando a incompletude, no entanto essencial a sua validação; ela leva também os herdeiros a imaginar que a ortodoxia consiste em sacralizar os conceitos e em postular um saber absoluto que a própria noção de inconsciente deveria, no entanto, desmentir.
Lacan também tentou se desembaraçar dessa estatuficação, mal sem dúvida, se julgarmos pela dissolução de sua escola; resta que o mérito dessa dispersão foi o de ter conduzido seus alunos a se reagrupar de acordo com as opções que, à revelia de si mesmos, fizeram diante do problema.
Para fazer aceitar a evolução de suas teses, Lacan não teve outro recurso senão favorecer a exaltação da transferência, que elas, no entanto, se empenhavam em minar. Ao ponto de ser levado a dizer, em um seminário, que seu principal erro era estar ali, encarnando o ao-menos-um vociferador, favorecendo assim a crença (escroqueria, dizia ele) no sujeito-suposto-ao-saber.
Os membros do Diretório, já vimos, não tinham sido escolhidos em função de seu saber: o poder dos mandarins é sempre aquele que se opõe à subversão dos saberes, tal como o inconsciente a opera, e isso inclusive quando os doutos são psicanalistas.
Se, então, a mestria não se devia a sua ciência, ela também não se devia à inspiração que eles poderiam obter da instância referente, agora evacuada do lugar do poder.
De onde, então, sustentar alguma coerência, estando igualmente excluído que a posição histérica pudesse ser celebrada nesse colégio?
É certo que Lacan teria preferido que seus significantes fossem nossos guias, por um gesto que renovava a relação original até mesmo estóica do falasser à linguagem, a que prevalecessem os detritos que descarregamos aí, já que, como os animais, é assim que delimitamos nosso território.
Trata-se, sem dúvida, de uma questão de tempo lógico: não sucumbir à precedência no Outro das marcas que nos fazem, mas relegar aí, na medida do significante, nossos acessórios como simples adereços. Será que é possível, inclusive com o “passe”?
Nos fatos, não houve na École freudienne de Paris outro laço entre seus membros senão sua afeição/desafeição em relação a Lacan, que, no momento de dissolvê-la para fundar uma outra não encontrou outras palavras: Que siga quem me ama… Tanto esforço para estabelecer uma constatação que promete as mesmas dificuldades por vir.
No nível social, no entanto, o fato novo do discurso político contemporâneo é que, na França, ele renunciou aos referentes tradicionais para só conservar a vontade política dos cidadãos de viver juntos: isso se chama a República. Evidentemente, essa vontade deve se achar encorajada pelas vantagens que encontraria aí cada uma das categorias que constituem a população, a figura do chefe sofrendo um relooking extremo para se tornar a do grande Distribuidor e, melhor ainda, certamente, da suprema Doadora. Essa figura já existiu alhures, dobrando com o feminino a do ditador no poder. Em outras palavras, é improvável que tais promessas não sejam corrigidas na seqüência, por um poder forte, que poderá ser chamado de salvação pública. Parecerá uma pena que nossos políticos não tenham mais clareza sobre a dinâmica em causa, onde os psicanalistas os precedem.
La politique de Lacan – Publicado na revista La Célibataire n. 14, Printemps 2007
Tradução: Sergio Rezende.