Charles Melman
Se a adição marca um estado de dependência vital em relação a um objeto, convém notar, preliminarmente, que ela é o quinhão de todo sujeito. “Falo” é o nome dado por Lacan (mais preciso que a “libido” de Freud) à instância cuja presença é indispensável à manutenção da subjetividade – e, portanto, do desejo, do pensamento, da memória, do Eu etc. Verifica-se que a existência visa, antes de tudo, ao reconhecimento da permanência de sua apropriação, de sua incorporação. As grandes crises vitais estão, em geral, ligadas a seu eclipse súbito: luto, divórcio, menopausa, desemprego etc.
A adição está, assim, no centro da economia psíquica e seu objeto, o falo, esclarece o efeito substitutivo das drogas.
Algumas são famosas, há muito tempo, por provocarem efeitos psíquicos semelhantes aos da presentificação anunciada ou consumada do falo: excitação psíquica e física idênticas às que são produzidas pela iminência de sua entrada em cena, “pequena morte” e sedação como a que se segue a sua detumescência. Nos dois casos, o efeito de “bem-estar” parece ligado a uma suspensão da existência, subsumida pelo estado de excitação no primeiro caso, passageiramente abolida no segundo.
Pode-se, assim, explicar o fato de que as drogas sejam apreciadas tanto por sua ação excitante (a cocaína, por exemplo) quanto sedativa (a heroína). Nos dois casos, o objetivo é tratar a dor de existir. Talvez seja preciso lembrar o fato de que a existência é consubstancial a um fracasso: não existe apreensão feliz do objeto nem relação ao Eu que não seja dividida.
A eficácia marcante das drogas está em curto-circuitar o encaminhamento complexo e aleatório do discurso para, por um flash químico, produzir uma excitação ou um orgasmo mais bem-sucedido e reproduzível à vontade. Esses produtos garantem o triunfo sobre uma instância – fálica – cujo capricho e cuja esquiva programados tornam o sujeito dependente de um fracasso. O preço dessa liberdade é a adição a um novo objeto – puro real – do qual são a fisiologia e o ritmo – tensão-detumescência – que tornam a presentificação novamente aleatória.
A esta tentativa de juntar as diversas drogas em uma mesma categoria, apesar da diversidade aparente de seus efeitos, opõe-se uma outra objeção: o papel do álcool. Este é conhecido de longa data como afrodisíaco, capaz de suprimir as inibições e de favorecer uma relação sexual liberada dos interditos, inclusive os do incesto (como a maconha, aliás, e algumas vezes o prozac).
Dioniso, a esse respeito, nunca escondeu seu jogo. Não esqueçamos, entretanto, que, se repetido, o copo preliminar vai acabar por absorver toda satisfação e quem vai ganhar a partida é a impotência. É clássico que o alcoólico crônico termina por privilegiar a garrafa em detrimento de uma esposa rechaçada por sua “infidelidade”, já que, por estrutura, ela lhe escapa.
É necessária uma profunda cumplicidade entre uma sociedade e suas drogas para que se passasse todo esse tempo antes que se isolasse a evidência: o poder sexolítico dos produtos incriminados. Esta conivência se deve, sem dúvida, ao fato de que a sabedoria – tanto a popular quanto a filosófica – sempre quis se desembaraçar do sexo, ou contornar isso que causa a maior dor e que a teoria analítica chama de “castração”. As drogas são bem o seu pharmakon e a ciência vem, por seu turno, propor os equivalentes “médicos”.
A clínica das “toxicomanias” acha-se renovada. O sexolizado aparece como reduzido à fisiologia “animal” de um organismo dominado por uma pulsão não dialetizada e que abandonou o espírito. O desinvestimento atinge todos os orifícios, exceto aquele que é, eventualmente, neoformado, a cada vez, pela injeção – a moda do piercing pode assim decifrar-se como a vontade de privatizar um orifício do corpo em oposição àqueles que a castração impôs.
O tempo privilegia o instante, nunca neutro pois está investido ou pela tensão ou pela detumescência, e portanto sempre sem influência objetal, negando o passado e recusando uma projeção no futuro.
A inafetividade regula a relação ao outro, que é na maioria das vezes reduzido à figura do duplo e, portanto, do mesmo, no papel de um companheiro de deriva, não importa qual seja seu sexo. O transitivismo não impede a mais viva concorrência, criminal em todos os casos extremos, quando o estado de falta se torna insuportável. A fala é fora-do-discurso e conhece apenas a inteligência e a astúcia apropriadas para obter de um terceiro, pela violência, se for preciso, a soma necessária para a aquisição de uma dose.
Ao recusar assim a dimensão Outra, reduzida a ser o esconderijo de um tesouro usurpado, por vezes puramente mítico, do qual é preciso progressivamente se reapropriar, é seu próprio corpo que o drogado consuma e consome, em perfeita autofagia.
O sucesso da toxicomania é contemporâneo do triunfo de ideais que associam a economia à ciência. A economia de mercado baseia-se numa ética do consumo; a ciência se mostra apropriada para fabricar os produtos que a tornarão perfeita.
A perfeição passa inelutavelmente pela eliminação da sexualidade. Sexolíticos e sexolizados fazem, assim, a transição para o futuro que gostariam de nos preparar.
Tradução de Sérgio Resende