Marc Darmon – 29/01/2008
Toro, banda de Möbius, garrafa de Klein, cross cap, nó borromeano, os objetos topológicos de Lacan têm em comum, pelo menos tinham em comum, na época de sua introdução, um poder de assombro, de surpresa. Esse efeito de surpresa nos demonstra, a posteriori, a dependência de nosso pensamento em relação à figura do círculo, ou da esfera, recortando o plano, ou o espaço, em interior ou exterior, em razão da imagem do corpo.
Com a banda de Möbius, o avesso se encontra no direito, o corte sem substância equivale à fita estendida. Com o cross cap ou a garrafa de Klein, um volume fechado no entanto não contém nada. Com o nó borromeano, três círculos são solidamente enodados, mesmo estando, um em relação a cada um dos outros dois, perfeitamente livres.
O poder desses objetos topológicos se resumiria a esse fascinante efeito de surpresa, análogo ao chiste ou a uma formação do inconsciente? Suporte do amor de transferência a Lacan, eles desempenhariam então um papel equivalente ao fetiche do xamã. Alguns pensam assim, inclusive um matemático que foi outrora um brilhante aluno de Lacan. É verdade que a ligação entre esses objetos e a clínica, se ela era esclarecedora na época da topologia das superfícies, se tornou cada vez mais rara e obscura na época dos nós, até se tornar enigmática nos últimos anos do ensino de nosso mestre. Mas uma tal interpretação pretende ignorar o papel da topologia em todo o curso de sua obra, e desde os primeiros anos. Assim, o grafo, construído passo a passo no seminário sobre as Formações do inconsciente, ou o esquema L, são explicitamente construções topológicas. É impossível estudar Lacan criando aí um impasse, de tal maneira ele se fiava nessa topologia para tramar seu discurso.
Mas por que é que a ligação com a clínica se fez então cada vez mais tênue?
Temos o testemunho, através da correspondência com Soury e Thomé, de que a topologia dos nós era para Lacan, nos últimos anos, uma preocupação e um tormento constantes. Surgiam questões que era preciso tratar na urgência, deixando tudo mais de lado. Seus interlocutores privilegiados eram questionados em suas competências matemáticas, mas não tinham acesso ao que Lacan fazia com suas descobertas e à relação entre elas e a psicanálise.
No entanto, se Lacan selecionava algumas coisas em tudo o que lhe traziam, e rejeitava outras, isso não era sem razão.
Talvez se, em seu seminário, depois de ter encantado e apaixonado por longos anos um grande auditório de psicanalistas e de intelectuais com sua palavra, se Lacan nos últimos tempos se esforçava com dificuldade para desenhar nós no quadro, no maior silêncio, talvez fosse porque ele não esperasse mais do significante a menor saída, a menor saída do mal-estar comum, que ele não contasse mais senão com esses nós para prender um pedaço do Real e se apoiar aí. Tomar o caminho da justificação clínica seria forçosamente recair no registro da significação, alimentar e reforçar um discurso que se tratava de ultrapassar.
Hoje, cabe a nós tirar os ensinamentos dessa última tentativa. A partir do real da topologia, teríamos ou não condição de apreender aquele que determina com rigor nossa clínica e de agir em função seja na intimidade do tratamento ou no campo, que não lhe é exterior, da psicanálise dita em extensão?
1 NT – para ter acesso ao original, em francês:
http://www.freud-lacan.com/articles/article.php?url_article=mdarmon290108
Tradução: Sergio Rezende.